Vidas Transformadas



"Gosto de ver os casulos de borboletas. Lagartas feias que adormeceram, esperando a mágica metamorfose. De fora olhamos e tudo parece imóvel e morto. Lá dentro, entretanto, longe dos olhos e invisível, a vida amadurece vagarosamente.”
                                         Rubem Alves
                   
Desde muito jovem, seu Gumercindo, um senhor não muito alto, de pele escura, com aparência sofrida pelo desgaste proporcionado por longos anos de serviço diário como boia-fria em uma grande empresa de plantação de eucalipto na cidade de Taiobeiras. [1]
Acordava quando ainda era madrugada a fim de começar mais um dia de muito esforço e dedicação em seu trabalho numa empresa que desmatava a mata nativa do cerrado para plantar eucaliptos. Sempre se esforçou a ser um bom funcionário. A vasta experiência adquirida com o tempo granjeou-lhe o respeito e admiração de muitos à sua volta.
Tudo parecia ir muito bem, até que em certa ocasião, seu patrão, o senhor Ozório Inácio de Sá, reuniu todos os funcionários e informou-lhes que a empresa seria fechada. No entanto, assegurou-lhes que era apenas uma questão de tempo, no final tudo ficaria bem, pois lhes garantiu que estava tomando as providências necessárias a fim de empreender em novo negócio. Quando tudo estivesse pronto, recontrataria todos os ex-funcionários.
Tal situação fez com que seu Gumercindo ficasse um tanto preocupado, pois embora ganhasse pouco, este era o meio usado por ele para sustentar sua esposa e seus quatro filhos.
Considerando as garantias de ex-patrão apenas como promessas políticas, viu-se sem esperanças e procurou de imediato encontrar outro emprego. Assim, por quatro meses, dia após dia procurou em vão nos mais variados lugares alguma oportunidade de trabalho.
Certa vez, tentou conseguir uma vaga como polonizador de flores de maracujá em uma grande plantação. Como justificativa para não o aceitarem, foi informado de que em função da má produção decorrente de secas prolongadas que há tempos castigavam o município, era inviável manter um número tão elevado de funcionários.  Assim, não estavam contratando mais pessoas e consequentemente, dentro em breve, muitos seriam demitidos.

Pequenos furtos

Uma de suas filhas, Fernanda, menina de aparência muito bela, estando ao sábado passando entre as barracas da feira, notou uma pequena bolsa sobre uma das bancas. A dona da barraca estava distraída conversando com uma de suas comadres. Assim, Fernanda, tomada pelo desespero, cogitou a possibilidade de apoderar-se de tal bolsa. Ela nunca tinha roubado antes. Embora de família de poucos recursos, sempre tinha sido educada a respeitar o que pertencia a outros. No entanto, naquele momento, o desejo que ela alimentou em relação a apoderar-se de tal bem, sobrepujou as instruções que por longos anos seus pais haviam procurado incutir-lhe. Rapidamente, agarrou a bolsa e discretamente sumiu entre a multidão. Andou alguns metros à frente e próximo ao Banco do Brasil, na Avenida da Liberdade, abriu a bolsa onde havia apenas algumas moedas perfazendo um total de cerca de cinco reais. Jogou a bolsa ali mesmo ao chão e levou o dinheiro para casa. Ao chegar disse:
            - Pai, veja o que consegui!
            - Minha filha! Deus a abençoe, isto vai nos ajudar muito.
            O pai pegou o dinheiro e não indagou à filha. Sentiu-se feliz, pois o seguro desemprego já havia se esgotado, e naquele dia, eles literalmente não tinham nada para comer. A mãe observando atentamente a cena esperou até que Fernanda se retirasse e disse:
            - Gumercindo, temos de saber de nossa filha como ela conseguiu esse dinheiro, não podemos simplesmente aceitar e ficar calados.
            - Calma, Juvelma, sempre orientamos nossos filhos sobre o que é certo e errado, se ela conseguiu este dinheiro, confio nela, sei que o fez de forma digna e honesta!
            Embora Juvelma também confiasse em muito em sua filha, não achou apropriado o proceder adotado por seu esposo. Mas, como era muito submissa, calou-se.
            Fernanda, ao perceber que dois dias haviam se passado e que seus pais não a questionaram, concluiu que fazendo isso mais vezes seria uma forma de ver os seus irmãos mais novos não mais passando necessidade e, além disso, conquistar ainda mais o carinho de seus pais.
Sendo assim, passou a fazer pequenos furtos quase que diariamente e trazer o que conseguia para casa. Muitas vezes dinheiro, noutras, verduras, frutas e outros alimentos em geral.

O flagrante

Um ano já tinha se passado, Fernanda havia ganhado muita experiência em roubar sem ser notada, achava que nunca seria descoberta.
Um dia, notou um rapaz com cerca de 23 anos aproximar-se de uma barraca de pastéis. Após pedir um pastel de carne e comê-lo ali mesmo, meteu a mão em dos bolsos traseiros de sua calça, retirou a carteira, abriu-a e tirou uma nota de dois reais. Ao receber o troco, guardou-o dentro da carteira, fechou-a e colocou-a novamente no bolso.
Fernanda, atentamente acompanhava-o a certa distância. Percebeu que metade de sua carteira ficou fora do bolso. Viu então a oportunidade de rapidamente retirá-la sem que ele percebesse. Assim, tentou executar tal ação. No entanto, por ser de rápidos reflexos, virou-se imediatamente e viu-a correndo em fuga com sua carteira na mão. No mesmo instante, pôs se também a correr em seu encalço. Foi um grande percurso. Ela passou pela Avenida da Liberdade, virou na Praça da Matriz e seguiu mais à frente, virando à esquerda na Rua dos Pereiras. Desesperadamente entrou em uma construção abandonada - Uma casa parcialmente construída, sem reboco e muros na frente - e escondeu-se em um dos cômodos.

A ilustração

O rapaz, Flávio, entrando na casa logo depois, sabia que se procurasse a encontraria escondida ali em algum lugar. Porém, não procedeu de tal forma, Ao invés disso, tirou de um de seus bolsos dianteiros uma caneta e uma folha de papel e começou a escrever algo. Ao terminar, deixou o papel sobre o chão e retirou-se.
Fernanda, curiosamente acompanhou a escrita por uma fresta na parede.
No entanto, esperou um pouco e em seguida aproximou-se da folha, abaixou-se e pegou-a, levantou-se e começou a ler:
-Prezada senhorita, gostaria que, por favor, prestasse atenção à seguinte ilustração:
Um certo homem tinha 2 filhos. Certa vez seu filho mais novo disse:
- Pai, eu gostaria de sair de casa, conhecer o mundo, trabalhar... Com o tempo, retornarei para o visitar e ficaria muito feliz se o senhor não me impedisse.
O pai não impediu o filho de tal decisão, mas disse em resposta:
- Por favor meu filho, leve consigo este pedaço de tábua, toda vez que cometeres um erro, pregue um prego nela.
Assim, depois de aprontar algumas coisas o filho partiu.
Dois anos depois, certo dia o pai avista o filho retornado, sai correndo pela estrada, abraça-o ternamente e diz:
- E aí filho, foi bem sucedido?
- Sim pai, fui. Hoje, sou um grande empresário. Tenho diversos funcionários, o que proporciona muito dinheiro.
- O pai sentiu-se feliz com o progresso material do filho, mas lembrou-lhe:
- Filho, cadê aquela tábua que dei a você?
Neste momento, mudou-se o semblante do filho, muito triste e envergonhado, retirando de uma de suas malas, mostrou a tábua cheia de muitos e muitos pregos a seu pai.
- Filho, você pretende retornar?
- Sim pai, deixei negócios lá fora. Só estou aqui passando férias.
- Faça o seguinte meu filho, a cada vez que você conseguir consertar um dos seus erros, arranque um prego da tábua.
Depois de passar alguns dias com o pai, o filho novamente se foi.
Cerca de mais ou menos 2 anos após tais acontecimentos, novamente o filho retorna à sua casa. Seu pai percebe logo que dessa vez ele não chega tão feliz como da última vez, e após abraçá-lo carinhosamente, indaga:
- O que aconteceu meu filho, não foi bem sucedido?
- Sim pai. Melhor do que da última vez. Hoje, tenho o triplo do número de funcionários que tinha antes, abri filiais no exterior, financeiramente estou ótimo.
- Então filho, por que tal tristeza?
- Pai, lembra-se da tábua?
-Sim. Onde está?
O filho mostra-a ao pai, este percebe que todos os pregos haviam sido arrancados. Assim argumenta:
- Filho, se você retirou todos os pregos, que ótimo, isso significa que você conseguiu consertar todos os seus erros. Estou sem entender porque então é que você está tão abatido.
- O filho diz então ao pai:
- Pai, os pregos eu consegui tirar, mas ficaram marcas que não se apagarão jamais!

A Reflexão

Ao terminar a leitura, Fernanda não conseguiu se conter, chorou profundamente, pois entendeu claramente a lição. Refletindo sobre sua vida, compreendeu que se a continuasse conduzindo da forma em que estava o arrependimento poderia vir de forma tardia, deixando sérias consequências irreversíveis.
Retornando para casa, durante a noite não conseguiu dormir, o que leu causou um profundo efeito sobre ela. Estava disposta a mudar de vida.
No dia seguinte, foi à procura de Patrícia a fim de desabafar. Patrícia desde muito cedo, - com cerca de 10 anos de idade - havia começado a se prostituir. Ao saber das intenções de Fernanda de não mais praticar furtos, e ficando a par do conteúdo da carta, riu desdenhosamente de Fernanda, pois não encarava as coisas de tal forma. Argumentava que a vida dos que se esforçam a agir como a sociedade espera é muito desumana, uma minoria rica, em contraste com uma grande maioria que não tem onde cair morta. Segundo ela, o mundo era dos mais espertos, portanto, não devemos buscar a aprovação das pessoas à nossa volta. Coisas como roubar ou se prostituir são apenas meios mais fáceis e seguros de conseguirmos aquilo que de outra forma dificilmente conseguiríamos e afinal, a vida é nossa, ninguém tem nada com isso, portanto ninguém tem o direito de nos dizer o que é ético e não ético o que é moral e o que é imoral.

Expondo a verdade

Fernanda não deu ouvidos à “amiga”, estava determinada a ser uma nova pessoa, parou com os furtos, mas queria agradecer pessoalmente àquele que contribuiu grandemente para a mudança em sua atitude. Todos os sábados retornava à barraca de pastéis para ver se o encontrava, mas voltava sem nenhum resultado positivo.
Seu pai já havia se acostumado e acomodado por sua filha (Fernanda) sempre aparecer com dinheiro ou alimentos, que não mais saía para procurar emprego. Entretanto, algumas semanas após tais acontecimentos, incomodava- lhe o fato de que Fernanda não mais trazia nada para casa. Assim resolveu perguntá-la:
- Minha filha, o que houve?
Neste momento, o coração de Fernanda disparou. Estava demorando, ela já esperava que isso iria acontecer mais cedo ou mais tarde. Sem esconder nada,  expôs aos seus pais toda a verdade.
Numa reação furiosa, seu pai a expulsou de casa, pois não acreditava na mudança de Fernanda, ele berrou:
- Pau que nasce torto, morre torto, se você roubou muitas vezes, com certeza vai voltar a roubar de novo. Que vergonha! Que vergonha! Não aceitarei uma ladra dentro de casa. Fora daqui, fora daqui!

Resposta à oração

Obrigada a sair de casa, com apenas a roupa do corpo, não sabia o que fazer. Bateu em algumas casas perguntando se precisavam de uma empregada doméstica, mas não encontrou ninguém que pudesse lhe ajudar. Pôs-se a chorar e caindo de joelhos suplicou:
- Oh Deus, confio em ti, por favor, preste atenção aos meus rogos, ampara-me neste momento de aflição, ajude-me!  Ajude-me! Ao abrir os olhos, notou que um homem afixava um anúncio do lado de fora de sua loja que dizia, “Precisa-se de funcionárias”! Enxugando as lágrimas aproximou-se em sua direção e disse:
- Por favor, eu gostaria de uma oportunidade.
- Quem é você?
Embora temerosa, ela respirou fundo e contou a ele tudo o que tinha ocorrido. Ele chamou sua esposa, e após conversarem, resolveram dar um voto de confiança à moça que parecia muito sincera.
Com a ajuda do senhor Samuel e de sua Esposa Adriana, donos de uma loja de roupas muito conhecida em toda a cidade, conseguiu se hospedar em uma pequena pensão por um preço bem abaixo do comum. Agora não estava mais só, havia pessoas realmente dispostas a ajudá-la.

O reencontro

            Fernanda era uma excelente funcionária. Antes de ir para a loja gostava de caprichar no visual, se arrumava muito bem. Atendia os fregueses de uma forma muito cordial, sempre com um belo sorriso muito doce e com palavras muito suaves.
            Um dia, em época de fim de ano, o comércio muito agitado em virtude das compras para o natal, final do expediente, já um pouco cansada por um dia bem atarefado de trabalho, todas as outras funcionárias já tinham ido embora, apenas ela estava lá, pois era encarregada de fechar a loja. Naquele momento, entrou um rapaz um pouco tímido e disse que gostaria de comprar uma calça. O cansaço não a impediu de tratá-lo de maneira muito cordial. Ao ver aquele doce sorriso, ficou cativado, sentiu seu coração bater mais forte, nunca tinha sentido isso antes. Será que tinha se apaixonado? Além de comprar uma calça, o rapaz comprou também uma camisa, despediu-se e se foi embora.
Depois desse episódio, pelo menos uma vez por semana retornava à loja. Seu pretexto era sempre o de comprar algo, no entanto, a verdade era que buscava oportunidades de ver Fernanda, pois ficar sem vê-la por apenas alguns dias era motivo
de fazê-lo perder noites de sono, sonhando com aquele jeito tão carinhoso que ela lhe tratava.
Passado cerca de um mês, ao entrar na loja, percebeu que não havia movimento, apenas Fernanda estava lá, arrumando algumas roupas. Aproximou-se e começou a conversar com ela perguntando lhe como havia sido o dia, se havia vendido muito... Ficou sem palavras, pois apreensivo como estava, não sabia mais o que dizer. Um silêncio constrangedor invadiu a loja, ele criando coragem, segurou-lhe a mão que estava sobre o balcão e olhou bem fundo nos seus olhos. Neste momento, Fernanda, sentiu um forte desejo de fazer algo que nunca havia feito antes. Retribuindo o olhar profundo, e mesmo com as mãos suando, encostou-se cada vez mais perto dele, fechou os olhos e ele lhe deu um...

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[1]     O município de Taiobeiras está localizado no extremo norte do Estado de Minas Gerais. Compõe com outros municípios a Zona Fisiográfica de Itacarambira e a Microrregião homogênea do Alto Rio Pardo (159) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE.
      Junto com Águas Vermelhas, Montezuma, Rio Pardo de Minas, Rubelita, Salinas e São João do Paraíso, Taiobeiras configura a Microrregião 53 de Salinas, da macrorregião 8, no contexto das Regiões Administrativas (RA) da Secretaria de Estado do Planejamento e Coordenação Geral do Governo do Estado de Minas Gerais.
      O município compõe uma das nove microrregiões da associação dos municípios da área mineira da Agência de Desenvolvimento do Nordeste – ADENE, a AMANS, denominada Alto Rio Pardo, integrando os Vale do Rio Pardo e do Rio Jequitinhonha. (Fonte: Prefeitura Municipal de Taiobeiras)

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