Prefácio



Levon do Nascimento[1]

            Fabiano Alves Pereira faz um convite na capa deste livro. Ele nos chama a refletir. Não como espelhos que recebem a luz, mas não a retêm, perdendo-a no espaço. Ao contrário, como o sol, que irradia na imensidão o calor que sai do seu interior, beneficiando a todos os planetas que rodopiam à sua volta. Um convite à reflexão.

            Vivemos no início do século XXI: um tempo marcado pela correria ilusória e alienante do mercado capitalista. A ilusão da informação constante do mundo conectado pelas redes sociais, da instantaneidade da opinião e das vontades, do hedonismo – prazeroso e escravizador – da sociedade de consumo, destrói nossas esperanças e cinicamente nos joga no abismo da solidão. Estamos entre bilhões, temos inúmeros amigos na rede, mas nos encontramos solitários de atenção, de modelos, de exemplos, de paz e de afeto. A alienação mercadológica, igual aos tapa-olhos que são colocados nos burros ou cavalos que puxam carroças, forçando-os a não desviarem o olhar para as margens da estrada, produz seres humanos condicionados a repetir e a concordar com velhas fórmulas de exploração, manipula corações e mentes para o ódio de classe e para o despeito étnico-racial, e entorpece almas pelo consumo do veneno da egolatria e de estimulantes de cultos personalistas.

O ser humano de nosso tempo, habitante de sociedades democráticas, usuário das mais modernas tecnologias já inventadas, consumidor dos mais sofisticados produtos já imaginados, é um escravo da ilusão, expropriado do “mais valor” da sua própria alma, ou seja, de sua valiosa condição humana. Tornou-se um animal irracional vítima de sua própria racionalidade escravocrata.

Mas ainda há algo de humano no homem e na mulher. Em algum lugar da escuridão da existência colorida do consumo algumas vozes sussurram, assoviam, cantam, gritam, propõem um novo olhar, uma pausa na correria, um “retiro espiritual”, uma fuga ao deserto para se livrar das tentações, “uma outra opinião”, um convite à reflexão.

Estas vozes não fazem coro ao tempo atual. Não nos convidam a fazer a reflexão egoísta de Narciso que, de tão voltado para si mesmo, refletiu-se na água do rio e cometeu suicídio por dar mais valor à sua imagem do que ao seu verdadeiro conteúdo interior. As vozes nos chamam a romper com a contemporaneidade mercadista. Com esforço, tentam abrir nossos corações para que deles irrompam uma verdadeira humanidade escondida e mascarada pelo uso de tantos produtos supérfluos que adquirimos no “comércio da vida”. As vozes nos pedem que sigamos exemplos.

Como alegoria, independentemente do credo que professamos, poderíamos seguir o exemplo de Jesus de Nazaré, que após o batismo de João Batista, seguiu para o deserto e lá ficou por quarenta dias. Contam os Evangelhos que na solidão desértica, foi tentado pelo diabo (aquele que divide e engana). Entre as tentações sofridas, três nos são destacadas: prazer, poder e ter. As mesmas às quais somos submetidos nos dias de hoje. "Se és o Filho de Deus, manda que estas pedras se transformem em pães" (cf. Mt 4,3), ao que respondeu Jesus: "Está escrito: 'Nem só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus'" (cf. Mt 4,4). Resistiu à volúpia de satisfação imediatista do corpo. Soube controlar a vontade, mesmo estando com fome depois de uma quarentena. Esmagou a ilusão do PRAZER. Sobre a parte mais alta do templo, mais uma vez foi tentado: "Se és o Filho de Deus, joga-te daqui para baixo. Pois está escrito: 'Ele dará ordens a seus anjos a seu respeito, e com as mãos eles o segurarão, para que você não tropece em alguma pedra'" (cf. Mt 4,6). Resistindo à paixão pelo PODER autoritário e desprovido do legítimo serviço aos que necessitam, Jesus respondeu: "Também está escrito: 'Não ponha à prova o Senhor, o seu Deus'" (cf. Mt 4,7). Por fim, não cedendo à doença do TER em detrimento do SER, recusa solenemente a proposta do tentador – "Tudo isto te darei se te prostrares e me adorares" (cf. Mt 4,9) – que lhe oferecia todos os reinos deste mundo. No deserto, Jesus atendeu a um convite à reflexão.
 
                  Fabiano Alves Pereira, professor, músico, homem de fé, coração humanitário, do sertão de nossos gerais, faz a você, com imensa generosidade, uma convocação para refletir, pensar, amadurecer, abrir os seus sentimentos e a sua inteligência àquilo que vale à pena na vida: o respeito, o amor, a dedicação, a família, a amizade e arte de sentir-se criatura divina em meio à exuberante natureza a nós presenteada pelo Criador. Aceite o convite! Participe desta festa reflexiva. Banqueteie-se de genuína e gratuita sabedoria!


[1] Professor de História – Leciona atualmente na Escola Estadual Presidente Tancredo Neves e Colégio Presbiteriano de Taiobeiras -, Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) e autor de quatro livros: Palavras da caminhada (2006), Blogosfera dos Gerais (2009), Memorial da Juventude de Taiobeiras (2010) e Sexagenarius: reflexões pelos 60 anos de Taiobeiras (2014).

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